Os elementos formativos das tradições populares de Coração de Jesus possuem raízes coloniais e são, quase 300 anos depois, muito fortes, especialmente as partes visíveis. Entre essas tradições estão as Festas de Fogueira.

Os elementos formativos das tradições populares de Coração de Jesus possuem raízes coloniais e são, quase 300 anos depois, muito fortes. Embora muito das tradições populares locais tenham se perdido ao longo do tempo pelo constante desmonte causado por diferentes fatores, a persistência desses elementos, especialmente as partes visíveis, são facilmente identificáveis. Entre as manifestações populares são importantes para a cultura local as Festas de Fogueira.

As Festas de Fogueira, ou Festas Juninas, como são denominadas regionalmente, constituem festejos e celebrações nos dias dos Santos: Santo Antônio (comemorado em 13 de junho), São João (comemorado em 24 de junho) e São Pedro (comemorado em 29 de junho). Quando introduzidas no Brasil pelos portugueses no Século XVI, as festas eram denominadas Festas Joaninas, em referência a São João, cujos festejos eram os mais importantes na Península Ibérica. Com o passar dos tempos, o nome foi mudado para Festas Juninas, em referência ao mês no qual são celebradas.
Historicamente, essas festas eram realizadas na Europa durante o Solstício de Verão, que corresponde, no Hemisfério Norte, ao mês de junho. De origem pagã, as festas eram celebradas na passagem da Primavera ao Verão, período da realização das colheitas, como forma de afastar os maus espíritos e quaisquer pragas que pudessem atingir as colheitas.

A partir do momento em que o Cristianismo se consolidou como principal religião na Europa, as festas do Solstício de Verão foram sendo cristianizadas e seus elementos modificados ou incorporados aos festejos cristãos. Essa era uma prática comum na Igreja Católica: para converter muitos povos pagãos, a Igreja aculturava suas festividades, adicionando-as ao Calendário Católico e acrescentando a elas elementos cristãos.

Ao chegar ao Brasil, esses festejos absorveram elementos culturais de outros povos, como os povos nativos brasileiros, os povos africanos e, posteriormente, os povos asiáticos ou outros povos europeus. Esses elementos podem ser identificados na presença de alimentos como canjica, pipoca, o forrobodó africano, balões e lanternas de papel, dança de quadrilha, a levantada de bandeiras entre outros. A presença da fogueira foi introduzida pelos Jesuítas e baseia-se na crença de que Santa Isabel acendeu uma fogueira para avisar Maria do Nascimento de João Batista. A levantada de bandeira nasce também dessa crença, pois acredita-se que Isabel também tenha pendurado uma boneca em um mastro para que maria pudesse ver, ao longe, que João tinha nascido.

No entanto, as Festas Juninas brasileiras aproximaram-se, de maneira mais concreta, da vida rural e suas práticas. Inicialmente de cunho profundamente religioso, as Festas Juninas migraram para a ala popular, embora mantenham vínculos indissociáveis da religiosidade. Da sua proximidade com a vida rural, absorveram elementos importantes como os integrantes das danças de quadrilha, ou não, vestirem-se como caipiras de forma caricata, a produção de biscoitos e bolos a partir de receitas caseiras, o quentão como bebida, a farofa ou paçoca como comida e muitos outros elementos.

Especificamente em Coração de Jesus, embora não tão diferente de outros lugares do Brasil, sobretudo do Nordeste, as Festas Juninas apresentaram elementos populares singulares, sobretudo as simpatias. Além da prática de se dar voltas na casa com a bandeira, cantando cantigas populares, depois de a terem buscado na casa de um benfeitor ou “ladrão”, eram costume os batizados e os compadrios de fogueira e as simpatias casamenteiras. Há relatos locais de que a Igreja Católica, quando informada dos batizados de fogueira, não batizavam novamente as crianças na Igreja, mas apenas ministrava-lhes os elementos do ato do batismo faltantes, como o óleo, considerando, assim, o batismo de fogueira como autêntico. Se esses relatos são verdadeiros, ainda há de se confirmar. O fato é que, se um dia o foram, hoje não são mais permitidos. Pelo contrário, essa prática popular foi sendo efetivamente desestimulada pela Igreja. Na prática o batismo de fogueira servia a dois propósitos: dar vasão a um elemento persistente da religiosidade popular e agradar a amigos que não podiam ser padrinhos na Igreja: porque não eram casados, ou porque outros amigos foram escolhidos para serem os padrinhos.

O compadrio de fogueira consistia num ato de se saltarem a fogueira de um lado para o outro, de mãos dadas, enquanto se pronunciavam algumas palavras. É preciso informa que, para a cultura local, esses atos constituíam verdadeiros compromissos para a vida inteira: padrinhos de fogueira são padrinhos verdadeiros assim como compadres de fogueira são compadres verdadeiros.

A simpatia casamenteira, realizada especialmente na festa de Santo Antônio, localmente adquiriu requintes de crueldade, consistindo no ato de virar a imagem do Santo de cabeça para baixo e assim deixá-la até que o problema fosse resolvido. Essa simpatia era realizada sobretudo por mulheres em busca de um marido.

Outro elemento da tradição local, embora possa não ser tão observado como os demais, é a água Benta do dia de São João. Na religiosidade popular local, todos os rios de água corrente e limpa são abençoados na noite de São João. Este elemento está estreitamente ligado ao ato do batismo de Jesus por João Batista no Rio Jordão. Conforme a cultura popular local, deve-se apanhar a água do rio antes do sol tocá-lo. Quem mora em cidades ou locais longe de rios, podia colocar uma vasilha de água do lado de fora da casa, mormente sobre um jirau ou sobre a própria casa, que seria abençoada à noite, devendo ser retirada antes do sol nascer.

Embora as Festas Juninas tenham perdido muito de seus elementos tradicionais na região, elas não foram abandonadas. Sua celebração acontece todos os anos, embora de modo esparso e mais tímido. Nas noites dos Santos de junho é costume as pessoas acenderem suas fogueiras nas portas das casas ou nas ruas. As comidas são feitas em casa para alimento dos próprios familiares e amigos. Soltam-se fogos de artifício e dançam-se quadrilhas. As danças de quadrilhas, após um tempo de decrescimento, voltaram a ser realizadas em grande quantidade no município, especialmente incentivadas pelas Escolas. Ainda são realizadas Festas de Fogueira em vários lugares, embora muitas delas não pratiquem mais as levantadas de bandeiras e as simpatias. No entanto, testemunhos atuais confirmam que, ainda neste ano de 2021, estão sendo realizados atos como batismo e compadrio de fogueira, e é provável que simpatias de Santo Antônio Casamenteiro também, embora menos visíveis.

Na modalidade econômica, as Festas Juninas criaram um comércio local importante de venda de comidas típicas, material de ornamentação e aluguel de roupas caracterizadas. E mesmo durante a Pandemia de Covid-19, que impossibilitou a realização de festas com grandes aglomerações, elas não deixaram de ser celebradas e o comércio continua ativo, incluindo agora a modalidade delivery.

Em Coração de Jesus é comum associar à Festa do Dia de São Pedro a Festa de São Paulo, celebrando assim São Pedro e São Paulo no mesmo dia. Embora presente na cultura religiosa popular local, a celebração vinculada dos dois Santos é influenciada pela própria Igreja Católica, que atribuiu aos dois o patronato de Roma, virtudes praticamente iguais e por serem os grandes pilares do Cristianismo primitivo.

Os itens mais comuns nas Festas Juninas de Coração de Jesus podem ser elencados da seguinte forma: dança de quadrilha; enfeites com bandeirolas, ramos e palhas de coco; fogueira; comidas e bebidas típicas; pau-de-sebo (quase extinto); fogos de artifício; vestimentas caracterizadas; música (especialmente forró) e balões de São João (praticamente extintos). Outros elementos modernos foram sendo introduzidos ao longo do tempo, como o correio elegante, barraca do beijo, prisão do amor ou da amizade, música eletrônica e outras formas musicais, barracas comerciais (se a festa é de caráter comunitário) entre vários outros.

Parte de cantiga da Festa de São João 
“São João diz que tem
Um abolsa de dinheiro,
Prá comprar a Bahia e o Rio de Janeiro”.
 
Fórmula do batismo de fogueira
“São João disse,
São Pedro confirmou,
Eu sou seu padrinho,
Que São João mandou”.
 
Uma das fórmulas do compadrio de fogueira
“São João dormiu,
São Pedro acordou,
Vamos ser compadres,
Que São João mandou.
Boa noite compadre!
Boa noite comadre!
(Salta a fogueira, ou um tição acesso, para lá e para cá três vezes enquanto se repete a fórmula).
 
Para mais conhecimento, acesse:
 

Fonte: Secretaria de Cultura e Turismo

Data de publicação: 25/06/2021

Créditos: Gilberto Medeiros

Créditos das Fotos: Alaís Cássia, Rosa Raquel e Sandra Rabelo

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